Há algo profundamente desconcertante na forma como o ser humano se relaciona com o tempo, os afetos e a própria existência alheia. A observação contida na afirmação acima não apenas nos faz pensar, mas nos confronta. Ela nos coloca diante de um espelho que revela nossas contradições, nossa hipocrisia velada, e, sobretudo, nossa falta de conexão genuína com a vida em si.
Por que valorizamos tanto o ser humano apenas na ausência? Por que as flores mais belas são destinadas aos mortos, enquanto os vivos, muitas vezes, recebem o espinho das nossas palavras, a negligência dos nossos gestos e o peso do nosso silêncio?
Vivemos em um tempo de pressa, de distrações intermináveis, de cronogramas que nunca têm espaço para o essencial. Priorizar o que é humano se tornou quase um luxo; um ato que, na pressa do dia a dia, relegamos ao “depois”. O problema é que o “depois” tem um hábito cruel de se transformar no “nunca”.
Brigamos com aqueles que amamos, nos afastamos daqueles que nos importam, e acreditamos, ingenuamente, que haverá tempo para consertar as coisas. Mas a vida, sempre imprevisível, nem sempre oferece a chance de reparar os laços que deixamos arrebentar. Quando a morte chega — e ela sempre chega —, nos deparamos com a ausência irreversível. É nesse momento que choramos, nos desculpamos em silêncio e oferecemos tributos póstumos que, se fossem dados em vida, teriam talvez transformado o curso das coisas.
O paradoxo é claro: em vida, o ser humano é alvo de críticas, fofocas, e até desprezo. Na morte, torna-se santo, intocável, digno das mais belas palavras e homenagens. O que essa transformação repentina diz sobre nós? Não seria a santificação póstuma um reflexo do nosso próprio arrependimento e da culpa que carregamos por não termos sido melhores enquanto havia tempo?
Homenageamos o morto não porque ele mudou, mas porque nós falhamos. E, ao fazer isso, tentamos aliviar o peso do remorso. Mas será que não seria mais honesto e humano abraçar, elogiar e valorizar os vivos enquanto ainda respiram?
É preciso romper com essa lógica que coloca a morte como medida do valor de alguém. Cada ser humano carrega uma história, uma riqueza, um universo inteiro que só pode ser acessado enquanto ele está vivo. No entanto, essa riqueza é frequentemente ignorada. Em vez disso, focamos em diferenças, mágoas e superficialidades que nos afastam.
E se, a partir de hoje, fizéssemos um esforço consciente para dizer as palavras que costumamos guardar para os epitáfios? Para oferecer abraços que não precisarão ser substituídos por coroas de flores? Para estar presentes, verdadeiramente, enquanto ainda há presença para compartilhar?
Esta reflexão não é um lamento, mas um convite. Um chamado para que repensemos nossas prioridades e ajustemos nossos gestos ao que realmente importa. Há algo profundamente libertador em escolher valorizar, perdoar e amar enquanto é possível.
Que possamos, como humanidade, aprender a cultivar nossos relacionamentos em vida, com todas as imperfeições que eles carregam. Que sejamos mais generosos com nossos gestos e mais rápidos em nossas reconciliações. Porque, no final, o valor do ser humano não está na ausência que ele deixa, mas na presença que ele pode compartilhar.
E que essa mudança de olhar nos permita, quando o dia chegar, encerrar nossa própria jornada sem arrependimentos. Enquanto há tempo.